Justiça julga improcedente ação do MP para impedir missas em Aparecida

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SENTENÇA

Processo Digital nº: 1000010-12.2020.8.26.0621

Classe – Assunto: Ação Civil Pública Cível – Obrigação de Fazer / Não Fazer

Requerente: Justiça Pública

Requerido: Santuário Nacional de Nossa Senhora da Conceição Aparecida

Juiz(a) de Direito: Dr(a). VIVAN BASTOS MUTSCHAEWSKI

 

Vistos.

Trata-se de Ação Civil Pública com Pedido de Liminar ajuizada por MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO em face de SANTUÁRIO NACIONAL DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO APARECIDA, alegando, em síntese, às fls. 01/09, que chegou ao conhecimento da Promotoria que estava sendo realizado pela requerida, nas dependências da Basílica Nacional de Aparecida, um evento religioso denominado “7a Romaria do Terço das Mulheres”. Ressaltou que contrariando o bom senso, diante da epidemia decretada pela OMS e também contrariando todas as recomendações das autoridades federais, estaduais e sanitárias, milhares de mulheres, de todas as idades, estavam reunidas naquele local, aumentando exponencialmente os riscos de transmissão do COVID-19. Salientou que a Organização Mundial de Saúde classificou o coronavírus (COVID-19) como “pandemia”, cobrando uma ação dos governos compatível com a gravidade da situação a ser enfrentada. Disse que no Brasil, ainda não houve registros de mortes, porém, atualmente já há 151 casos confirmados, considerando os pacientes contabilizados no último boletim informado pelo Ministério da Saúde. Relatou que o Ministério da Saúde e as autoridades públicas estaduais já afirmaram o início da transmissão comunitária, o que significa que não será possível detectar de quem veio o vírus, tornando ainda mais difícil o controle da transmissão da Covid-19. Diante da preocupação deste aumento de casos, e após confirmação da transmissão comunitária do vírus, o Sr. Governador do Estado de São Paulo determinou o fechamento gradual das escolas públicas, estendendo a recomendação às particulares, assim como foram tomadas medidas oficiais contra aglomerações em geral (shows, manifestações, atividades esportivas, festas, cultos religiosos, etc). Disse que, ignorando todas as recomendações e riscos, a requerida manteve o evento religioso de hoje e não faz qualquer menção em seus canais oficiais de suspender eventos religiosos que atraiam o grande público. Levando-se em conta que a recomendação é o adiamento de eventos que reúnam mais de 500 pessoas, e diante da inércia da requerida, não restou outra alternativa senão a propositura desta ação. Por fim, pugnou liminarmente, a concessão da antecipação dos efeitos da tutela para determinar à requerida as seguintes obrigações: a) não prosseguir com o evento designado “Terço das Mulheres” sob pena de multa diária de R$10.000,00 na hipótese de descumprimento da decisão; b) seja determinada a ampla divulgação da decisão que determinar a não realização do evento e dos próximos, até decretação do fim da pandemia ou pelo menos até o fim da quaresma, pela imprensa local, bem como em rádio de abrangência regional e no site da requerida; c) notificação da polícia militar, polícia civil, guarda municipal, conselho municipal de saúde e vigilância sanitária para fiscalizarem o cumprimento da liminar; d) intimação da Prefeitura para fiscalizar a decisão judicial, bem como dê cumprimento à sua própria decisão administrativa de indeferimento do alvará, lacrando e embargando o local onde se dará qualquer evento, adotando- se todas as providência necessárias para impedir o uso do local, inclusive com base em seu poder de polícia. Ao final requereu pela integral procedência da ação para tornar definitiva as medidas acima pleiteadas.

Decisão de fls. 10/11 deferiu o pedido liminar para impedir a realização de quaisquer eventos no Santuário Nacional de Aparecida, inicialmente pelo prazo de trinta dias, para garantir o cumprimento da presente decisão foi arbitrado multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais), para cada dia de descumprimento, sem prejuízo da responsabilização pelo crime de desobediência do diretor do Santuário de Nossa Senhora Aparecida. Foi determinado a expedição de ofício à polícia militar, policia civil, guarda metropolitana, conselho municipal de saúde e a vigilância sanitária de Aparecida, notificando-os da decisão, para que fiscalizem a medida. Por fim, foi determinado a intimação do Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida e da Prefeitura Municipal de Aparecida.

Acórdão às fls. 26/29 referente ao Agravo de Instrumento interposto pelo requerido indeferindo a concessão do efeito suspensivo.

Manifestação do requerido às fls. 36/38 pugnando pela reconsideração da decisão de fls. 10/11. Juntou documentos (fls. 39/50).

Decisão de fl. 51 manteve por seus próprios meios e fundamentos a decisão de fls. 10/11, visto que a decisão fora mantida em sede de agravo de instrumento 2050116-78.2020.8.26.0000 da relatoria do Desembargador Marcelo L. Theodósio.

Devidamente citado o requerido ofertou contestação às fls. 57/88, alegando, preliminarmente, falta de atribuição do órgão do i. Ministério Público, visto que a subscritora da exordial possui atribuição para atuar apenas perante a Justiça de Lorena, havendo portanto,

violação ao princípio do promotor natural. Também alegou inépcia da inicial, pela exposição de fatos feita pelo Ministério Público ser confusa, vaga e açodada, não mostrando coesão nos elementos trazidos, bem como falta de demonstração do fundamento jurídico. Quanto ao mérito, alegou, em síntese, que ainda que se pleiteie a definição de uma política pública para grandes eventos no municípios de Aparecida, a municipalidade não foi indicada como parte no processo, causando estranheza que não se tem noticias de ações por parte do i. Parquet contra qualquer outro evento no município, nem mesmos religiosos.

Disse que é diligente em atender às normas vigentes sobre o tema e às políticas públicas adotadas pela municipalidade. Salientou que as atribuições e meios técnicos para analisar e tomar decisões quanto às medidas cabíveis em crises de saúde e sanitárias é do Poder Executivo, dando cumprimento à Constituição e às leis editadas pelo Poder Legislativo. Nesse sentido o Supremo Tribunal Federal enfrenta questões similares acerca da presente crise e aponta a necessidade de que se respeite a competência atribuída ao Poder Executivo para fixação de políticas públicas, a despeito da contrariedade do parquet contra a política pública adotada. Ressaltou que a Igreja Católica sempre se mostrou diligente a cooperar com as autoridades municipais e buscar soluções que valorizem o interesse público, e que tem interesse em combater a proliferação do COVID-19 e proteger toda a população corporal e espiritualmente. Por outro lado, o parquet age de forma açodada, não procurou a municipalidade, não observou as decisões (ainda que posteriores) do E. STF e do E. TJSP. Salientou que não havia qualquer necessidade da interposição de uma medida coercitiva como a presente, ainda mais sem a devida tentativa de resolução consensual. Por fim, pugnou seja declarada a inépcia da petição inicial e extinta ação sem julgamento do mérito, e pela total improcedência da ação. Juntou documentos (fls. 89/112).

Anoto a presença de réplica (fls. 115/121).

Instadas as partes a especificarem provas (fl. 123), o requerente se manifestou à fl. 127 requerendo expedição de ofícios à Diretoria Regional de Saúde de Taubaté DRS XVII e ao Ministério da Saúde, informando acerca da necessidade de suspensão da realização das atividades religiosas, como medida de distanciamento/isolamento social, a fim de assegurada eficácia no retardamento da velocidade de propagação do COVID 19, notadamente diante da projeção nacional e internacional do Santuário Nacional de Aparecida. Por outro lado, o requerido se manifestou às fls. 131/136, requerendo o indeferimento da expedição de ofícios requerida pelo autor, uma vez que as autoridades sanitárias já se manifestaram publicamente sobre o tema, bem como, que seja juntado ao processo os “Protocolos sanitários e de comunicação”, elaborado por este requerido e já apresentado às autoridades sanitárias estaduais e municipais. Juntou documentos (fls. 137/169).

Decisão de fls. 170/174 afastou as preliminares suscitadas, indeferiu a expedição dos ofícios requeridos pelo Douto Promotor de Justiça, determinou abertura de vista ao Ministério Público para que se manifeste, especificamente sobre o protocolo sanitário elaborado pela parte ré.

O Ministério Público se manifestou à fl. 178 ressaltando que mesmo que o Santuário Nacional de Aparecida tenha afirmado que submeteu seus protocolos sanitários e de comunicação à revisão e à aprovação do Município, não há qualquer ato oficial atestando tal fato. Portanto, entende necessária a expedição de ofício, ao menos, à Diretoria Regional de Saúde de Taubaté DRSXVII, para que ateste sua compatibilidade com o Plano São Paulo e Protocolos Estaduais.

O requerido se manifestou às fls. 179/183 reiterando sua discordância com os pleitos formulados à fl. 178.

Decisão de fls. 186/188 indeferiu o pedido ministerial de fl. 178, determinou abertura de vista ao Ministério Público para que apresentasse objeções específicas sobre o protocolo sanitário elaborado pela ré (fls. 137/169), no prazo legal.

Manifestação do Ministério Público à fl. 192 informando que busca somente a manifestação de órgãos sanitaristas sobre o referido protocolo sanitário, visto que a mera reportagem do jornal “O vale” não possuía o condão de afastar a manifestação técnica. Ademais, tendo em vista a atual fase de reabertura indicada pelo Plano São Paulo, não se opõe às medidas apresentadas pelo Santuário Nacional (fls. 137/169).

É o relatório.
Fundamento e Decido.

O feito comporta julgamento, uma vez que encerrada a instrução processual, as provas que já se encontram nos autos são suficientes ao deslinde da causa, nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil.

As preliminares já foram afastadas pela decisão de fls. 170/174.

Assim, presentes os pressupostos processuais de constituição válida e regular do processo, e as condições para o legítimo exercício do direito de ação, passo ao exame de mérito da demanda.

E, no mérito, o pedido é improcedente.

Inicialmente, anoto que o Ministério Público tem legitimidade constitucional para ser parte ativa em ações civis públicas em matéria de interesses difusos e coletivos, como expressamente previsto no art. 129, III, da Constituição da República:

“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
[…]
III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;”

Pois bem.

Busca a parte autora o não prosseguimento do evento designado “Terço das Mulheres” e seja dada ampla divulgação da decisão que determinar a não realização do evento e dos próximos, até decretado o fim da pandemia ou pelo menos até o fim da quaresma, bem como, seja oficiado à polícia militar, civil, guarda municipal, conselho municipal e à vigilância sanitária local, para que fiscalizem o cumprimento da decisão.

Em tema de segurança e eficiência na prestação de serviços públicos na área da saúde, oportuno destacar o sentido discricionário técnico de decisão acerca de circulação de pessoas, veículos, transportes em geral, atributo de que é destituída qualquer decisão judicial sobre o tema. É que decisão judicial não pode substituir o critério de conveniência e oportunidade da Administração, especialmente em tempos de crise e calamidade, porque o Poder Judiciário não dispõe de elementos técnicos e meios suficientes para a tomada de decisão equilibrada e harmônica. Antes, pode ocasionar situações de descontrole.

Determinar a suspensão da realização de um evento constitui ato administrativo, que não pode ser objeto de análise do Poder Judiciário. Se tomada alguma providência neste sentido acabaria por invadir indevidamente matérias de atribuição exclusiva do Poder Executivo, notadamente o poder de polícia da Administração, excepcional e discricionário, capaz de restringir coativamente a atividade individual, na proteção da segurança coletiva e da boa ordem da coisa pública.

A gravidade da pandemia recomenda seja a menor possível a judicialização da matéria, porque intervenção pontual nas políticas públicas compromete a organização dos atos da Administração. Nesse sentido, ao Poder Judiciário parece lícito intervir apenas e tão somente em situações que evidenciem omissão das autoridades públicas competentes, capaz de colocar em risco grave e iminente os direitos dos jurisdicionados

No presente caso, verifica-se que não houve omissão uma vez que foi apresentado o protocolo sanitário e de comunicação pelo requerido (fls. 137/169), que faz referência às políticas do Estado de São Paulo, inclusive ao “Plano São Paulo”.

Como se sabe, a competência administrativa para a concretização do direito à saúde é concorrente (CF, art. 196 e 198, I), entendimento este reiterado pela Suprema Corte especificamente acerca da COVID-19, na ADI n.o 6.341 (informativo n.o 973). Nesse sentido, em havendo detalhado decreto municipal sobre o tema (https://www.aparecida.sp.gov.br/publicos/decreto_covid_29_06_29062725.pdf), entendo que está dentro da legalidade a apresentação do protocolo sanitário às autoridades municipais, como comprovado nos autos.

Assim, pondero que a parte autora não trouxe qualquer elemento técnico que evidenciasse a ausência de utilidade das medidas locais ou que indicasse que o evento atacado fossem causar maior risco de contágio.

Desta feita, repito que qualquer decisão favorável nestes autos introduziria modificações nas políticas públicas, âmbito de atuação primordial reservado ao Poder Executivo, de forma a dificultar o adequado exercício típicas da Administração e a comprometer a condução coordenada das ações necessárias à mitigação dos danos provocados pela Covid-19.

A situação exige calma e técnica, razão da imprescindível coordenação a ser exercida pelo Poder Executivo estadual. Somente uma organização harmônica, sincronizada e coerente é capaz de implementar medidas necessárias e abrangentes.

Por fim, ressalto que o Estado de São Paulo, pelo Poder Executivo, jamais deixou de adotar providências em todas as esferas administrativas a seu cargo, adequando-as aos diferentes estágios da crise sanitária, visando sempre mitigar os efeitos da pandemia, e que sempre foram seguidas pelos municípios.

Dispositivo.

Ante o exposto, resolvo o mérito, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil e JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO em face de SANTUÁRIO NACIONAL DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO APARECIDA.

Deixo de condenar em custas ou honorários, pois a ação foi proposta pelo Ministério Público.

Com o transito em julgado, arquivem-se os autos. P.I.C.

 

Aparecida, 05 de fevereiro de 2021.

DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE NOS TERMOS DA LEI 11.419/2006, CONFORME IMPRESSÃO À MARGEM DIREITA

 

Categories: Notícias

admin

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