Agravo Inicial
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
Autos de Origem: 1000010-12.2020.8.26.0621
Natureza: AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Agravante: SANTUÁRIO NACIONAL DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO APARECIDA
SANTUÁRIO NACIONAL DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO APARECIDA, associação civil sem fins lucrativos, inscrita no CNPJ no 02.825.033/0001-04, Inscrição Estadual Isenta, com sede na Avenida Dr. Júlio Prestes, s/no, Centro, Aparecida (SP), CEP. 12570-900, e representada pelo Padre Luiz Claudio Alves de Macedo, CSsR, brasileiro, solteiro, religioso, RG. 22.143.593 SSP/SP, CPF. 121.863.278-05, neste ato representado por seus advogados, MIGUEL DA COSTA CARVALHO VIDIGAL, brasileiro, casado, inscrito na OAB/SP sob o no 324.193, com escritório na Rua Itaquera, 475, Pacaembu, São Paulo/SP e MAURÍCIO PEREIRA COLONNA ROMANO, brasileiro, solteiro, inscrito na OAB/SP sob o no 374.990, com escritório na Rua Cincinato Braga, 439, apartamento 91, Bela Vista, São Paulo/SP, CEP 01333-011, apresenta o presente
AGRAVO DE INSTRUMENTO
Com pedido de concessão de efeito suspensivo
Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por MAURICIO PEREIRA COLONNA ROMANO, protocolado em 15/03/2020 às 11:01 , sob o número 20501167820208260000. Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 2050116-78.2020.8.26.0000 e código 1020A17B.
Em face da r. Decisão Liminar de fls. 10 e 11, proferida nos autos da Ação Civil Pública em epígrafe, proposta perante a 48a CJ – Guaratinguetá, Vara de Plantão.
Termos em que P. Deferimento
São Paulo, 15 de março de 2020
Miguel da Costa Carvalho Vidigal OAB/SP n.o 324.193
Maurício Pereira Colonna Romano OAB/SP n.o 374.990
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EGRÉGIO TRIBUNAL
MINUTA DO AGRAVO DE INSTRUMENTO
-I- TEMPESTIVIDADE
O agravante foi intimado na data de 14 de março de 2020, o recurso aqui apresentado é feito no dia subsequente.
Concluindo-se, portanto, que os prazos processuais estão adequados.
-II-
SÍNTESE DA DEMANDA E A R. DECISÃO AGRAVADA
Propôs o AGRAVADO Ação Civil Púbica em que discorre sobre a necessidade de intervenção do Poder Público no Santuário Nacional de Aparecida, uma vez que nele se realizam eventos religiosos. Fazendo referência aos recentes dados de avanço da pandemia COVID 19 e ainda afirmando ter tomado conhecimento da realização de um evento específico (7a Romaria do Terço das Mulheres) e afirmando que esse evento é um grave risco para a sociedade, tendo em vista eventual propagação da doença referida, sugere a suspensão de todas atividades religiosas realizadas no mesmo Santuário e requer que o juízo determine, em face do
AGRAVANTE as seguintes medidas:
a. não prosseguir com evento denominado “terço das mulheres”; b. seja determinada a ampla divulgação da decisão que determinar a não realização do evento e dos próximos até decretado o fim
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Acrescentou o pedido de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais) diários em caso de não cumprimento de eventual liminar concedida.
A despeito de tal pedido, a d. Juíza de Plantão concedeu liminar antecipando os efeitos da tutela, “para impedir arealização de quaisquer eventos no Santuário Nacional de Aparecida, inicialmente pelo prazo de 30 (trinta) dias, e, nos termos do art. 139, IV do CPC, para garantir o cumprimento da presente decisão, arbitro multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais) por cada dia de descumprimento, sem prejuízo da responsabilização pelo crime de desobediência do diretor do Santuário Nacional de Nossa Senhora de Aparecida”.
Oficiando os órgãos indicados pelo Ministério Público, citando também aqui AGRAVANTE, bem como a Prefeitura Municipal de Aparecida.
-III-
DAS RAZÕES PARA REFORMA DA R. DECISÃO AGRAVADA
Conforme passará a se demonstrar, não estão configurados no presente caso os requisitos autorizadores da concessão da antecipação dos efeitos da tutela, motivo pelo qual se insurge o aqui AGRAVANTE contra a r. decisão ora combatida.
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Louvando-se em meia dúzia de reportagens que não faltam nesta Era da informação e no atual momento de pânico, oParquet veio a juízo pretendendo obstar o culto e a profissão de fé de milhares de pessoas em Aparecida, cujo Santuário Nacional lhe empresta identidade e fama, provendo a economia da região e a renda de milhares de famílias.
Se se admitisse que o risco presente na 7a Romaria do Terço das Mulheres enseja a suspensão de qualquer evento religioso pelas razões genéricas apontadas pelo Ministério Público, disso se concluiria que este mesmo órgão poderia, com fulcro na propagação do COVID 19, pedir a suspensão de todo evento, de qualquer tipo, de toda e qualquer instituição, de todo e qualquer grupo, em todo e qualquer contexto. Poderia, portanto, se se admitisse tal correlação, estabelecer um Estado de Exceção instaurado pelo Parquet, algo não previsto em nosso ordenamento jurídico.
Medidas sanitárias e epidemiológicas de restrição de direitos devem ser tomadas pelo poder que detém as atribuições técnicas para fazê-lo, que é o Poder Executivo.
Aceitar essa situação dará azo a que Magistrados decidam por si, individualmente e sem qualquer conhecimento e aparato técnico o que deve abrir ou fechar, de pontos de comércio a reuniões, bem como instituições de ensino, tocando inclusive no direito de ir e vir. Como se sabe, essa não é uma atribuição do Poder Judiciário, o qual, aliás, será chamado a atuar caso o Poder Executivo exorbite o seu poder sanitário e de polícia.
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O fato apresentado pelo Ministério Público como carecedor da atenção do Estado não pode motivar um pedido genérico de suspensão de todo e qualquer “evento religioso” (fls. 5).
A falta de correlação entre esse pedido conclusivo do Ministério Público e sua narração dos fatos indica a absoluta inépcia da petição vestibular (art. 330 §1o, III CPC).
Mas neste caso, curiosamente, o próprio Ministério Público, atestando mais uma vez a inépcia da petição, termina por concentrar o seu pedido no evento específico. Afinal é contra o mesmo evento específico que procura, ainda que sem sucesso, destacar o “fumus boni iuris” e o “periculum in mora”. Com efeito, às fls. 6 o Parquet repisa seu intento de buscar tutela contra um evento específico: “um considerável evento religioso (…)”.
Além disso, afirma às fls. 6 que “se a festa se realizar nas condições pretendidas pela REQUERIDA, há o fundadoreceio de ocorrência de danos irreparáveis à integridade física das pessoas”. Ou seja, o Ministério Público explicitamente reconhece que o perigo de dano existe se o específico evento se realizar nos moldes verificados. Admite deste modo que só se encontra perigo naquele evento específico. Fica mais uma vez evidente a falta de conexão lógica entre pedido (suspensão de todo evento religioso) e narração dos fatos (circunstâncias de um específico evento multitudinário).
Ainda, às fls. 7 o Ministério Público deixa clara a falta de demonstração da probabilidade do direito, porque simplesmente não indica o direito. Em suas palavras, estariam “(…) presentes os requisitos da liminar, tais sejam, o “fumus boni iuris”, já que a legislação citada ampara a proibição de realização dos eventos naquele SANTUÁRIO, por não atender as normas de segurança sanitária”.
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Ocorre que, apesar de afirmar que se ampara em “legislação citada”, não se encontra qualquer regramento na exordial que ampare o pedido!
Essas confusões argumentativas, bem como a falta de clareza nos pedidos, revelam igualmente a inépcia da inicial, tornando inviável o exercício da jurisdição.
Além disso, o Ministério Público sequer procurou saber se o Santuário estava a tomar as providências necessárias à profilaxia específica do COVID-19 em suas dependências. Não houve diálogo ou tentativa de composição. A peça soa como uma perseguição: parece mesmo que o risco sanitário é apenas usado como pretexto para a supressão de direitos ligados ao culto religioso.
O Parquet adota, com efeito, um estilo aterrador e persecutório em suas linhas (aliás é esse tom de pânico que faz as vezes de periculum in mora na petição), muito perigoso para a tutela efetiva dos direitos fundamentais e para a democracia. Age o órgão, assim, na contramão de seus deveres.
Resumindo, a petição do Ministério Público é inepta pelos seguintes motivos:
- Não estabelece qualquer conexão entre os riscos do evento “7a Romaria do Terço das Mulheres” e os supostos riscos de todo e qualquer evento religioso.
- Não aponta a probabilidade do direito, o “fumus boni iuris”: não há legislação citada.
- Não demonstra o “periculum in mora”: não logra êxito em apontar qualquer elemento objetivo que justifique, por conta do risco, a suspensão de todo e qualquer evento religioso organizado pelo AGRAVANTE.
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D.Não apresenta coerência interna, e esbarra em fortíssimas contradições. Ora menciona o aspecto multitudinário dos eventos realizados pela requerida como elemento justificador do pedido, ora cita uma suposta falta de atenção às “normas de segurança sanitárias” (fls. 7) sem, no entanto, indicar que normas são essas e de que forma o AGRAVANTE as descumpre. Imputa assim, ao AGRAVANTE – sendo este o fundamento do pedido – o descumprimento de normas que o próprio órgão ministerial não sabe apontar.
DA INCONSTITUCIONALIDADE DA DECISÃO
Não bastassem os argumentos que demonstram a inépcia da peça apresentada pelo Parquet, há ainda preceitos fundamentais que foram violados.
O resultado prático da decisão é a proibição do livre exercício de culto religioso, manifestado no impedimento objetivo de acesso dos fiéis a determinado local, com base em argumentação absolutamente insuficiente para supressão do referido direito fundamental.
A Carta Magna em seu art. 5o, VI determina que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
Tendo em vista tais garantias, escancaradas em nossa Constituição Federal, pergunta-se:
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Alguma lei removeu essa garantia superlativa (CF, art. 5o, II)?
Houve intervenção federal para a tutela da saúde pública segundo revelam algumas das interessantes — mas insuficientes — reportagens apresentadas pelo Ministério Público (CF, art. 21, XVIII)?
Tem-se notícia de alguma medida proibitiva ou restritiva editada pela União, Estado ou município que autorize tal medida (CF, arts. 23, II, e 24, XII)?
Ou, ainda, o local foi declarado zona de risco (CF, arts. 21, XVIII, 23, II, e 24, XII)? (Cumpre recordar que o local que se pretende interditar é composto por uma magnitude arquitetônica extremamente arejada, com enormes correntes de ar, contando com vestiários e toaletes, além de diversos locais para higiene das mãos.)
As garantias constitucionais devem ser respeitadas e permanecem irremovíveis, inclusive aquelas de associação (CF, art. 5o, IX, XVI, XVII e XLI) e não podem sofrer alterações, por emenda à Constituição Federal (art. 60, parágrafo 4o, IV) assegurando a manifestação do pensamento e de expressão, da fé e do culto. Cumpre ressaltar que o Decreto n. 7.107/2010 promulgou o Acordo Brasil-Santa Sé, por meio do qual, “[a] República Federativa do Brasil, com fundamento no direito de liberdade religiosa, reconhece à Igreja Católica o direito de desempenhar a sua missão apostólica, garantindo o exercício público de suas atividades, observado o ordenamento jurídico brasileiro” (Artigo 2o).
DA URGÊNCIA DA REVOGAÇÃO DA LIMINAR
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Tal como indicado inicialmente, o Ministério Público postulou a suspensão de qualquer evento no Santuário de Aparecida mediante astreintes de R$ 10.000,00 (dez mil reais). A d. Magistrada, extrapolando enormemente o pedido, foi dez vezes além na fixação da medida inibitória: determinou multa de R$ 100 mil (cem mil reais) diários. O que representa um evidente prejuízo à Agravante, tanto mais grave quanto mais se notam sua ilegalidade e inconstitucionalidade.
Além da pena pecuniária, determinou também a paralisação do culto no local por 30 (trinta) dias e, ex officio, facultou o prolongamento de tal medida de urgência, para quiçá ampliá-la após o período.
Ainda, a magistrada, conquanto o requerimento do Ministério Público verse sobre suspensão de evento específico, concedeu liminar para a suspensão de qualquer evento presente ou futuro no Santuário Nacional de Aparecida, extrapolando o pedido.
Esse é o maior risco ao direito, e manifestação mais clara da inconstitucionalidade da medida. A Missa dominical é preceito obrigatório para os fiéis da Igreja Católica. Vedar a realização da Missa na Basílica de Aparecida – consequência da decisão – é impor ao cidadão fiel católico o risco de não cumprir com um dever religioso, compelindo-o, caso mantida a proibição para frequentar um local adequado (Santuário), que reúne capacidade para receber milhares de fiéis por dia, a se deslocar para outras paróquias cuja igrejas talvez não o acolham com o mesmo conforto e segurança.
E, pelo que se expôs, a tutela concedida não encontra nenhuma justificativa, porque o Ministério Público não logrou êxito na tentativa de demonstrar probabilidade do direito e perigo de dano.
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Essa violação se agrava porque baseada no manuseio temerário da situação, toma-se um problema grave e atinge-se um único setor da sociedade.
CONCLUSÃO
A despeito da gravidade e da seriedade com que se deve tratar o alastramento do COVID-19, a análise do pedido e da decisão judicial tomada em primeira instância, estão em dissonância com o Estado Democrático de Direito, uma vez que atinge Direitos Fundamentais de centenas de milhares de cidadãos.
Ademais, torna-se um agravante para todo o julgado a imposição de regras e proibição do Serviço Religioso sem que os responsáveis do Santuário sejam sequer consultados a respeito de suas atitudes para a prevenção da doença.
Pelos motivos acima expostos, pede-se a cassação da Liminar concedida em Primeiro Grau, para que, restabelecendo-se a ordem e a urbanidade no Santuário Nacional de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, seja dado PROVIMENTO ao presente agravo, tornando sem efeito a r. decisão de fls. 10 e 11 que concedeu a antecipação da tutela, a fim de que sejam permitidas as missas e os eventos religiosos, comprometendo-se o Agravante a medidas profiláticas necessárias ao impedimento da transmissão do COVID 19.
Nestes termos P. Deferimento
São Paulo, 15 de março de 2020
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Miguel da Costa Carvalho Vidigal OAB/SP 324.193
Maurício Pereira Colonna Romano OAB/SP 374.990
Categories: Aparecida - Proibição de Missas,Judicial