Indeferida ação contra a Portaria 2.282 do Ministério da Saúde
Número: 1048776-33.2020.4.01.3400
Classe: AÇÃO POPULAR
Órgão julgador: 6a Vara Federal Cível da SJDF
Última distribuição : 30/08/2020
Valor da causa: R$ 1.000,00
Assuntos: Antecipação de Tutela / Tutela Específica, Violação aos Princípios Administrativos Segredo de justiça? NÃO
Justiça gratuita? SIM
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? SIM
05/09/2020
Partes |
Procurador/Terceiro vinculado |
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SAULO GONCALO BRASILEIRO (AUTOR) |
SAULO GONCALO BRASILEIRO (ADVOGADO) |
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UNIÃO FEDERAL (RÉU) |
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EDUARDO PAZUELLO (RÉU) |
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Ministério Público Federal (Procuradoria) (FISCAL DA LEI) |
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Documentos |
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Id. |
Data da Assinatura |
Documento |
Tipo |
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31844 2888 |
01/09/2020 22:41 |
Decisão |
Decisão |
PROCESSO: 1048776-33.2020.4.01.3400
CLASSE: AÇÃO POPULAR (66)
AUTOR: SAULO GONCALO BRASILEIRO
Advogado do(a) AUTOR: SAULO GONCALO BRASILEIRO – PE52020
RÉU: UNIÃO FEDERAL, EDUARDO PAZUELLO
SENTENÇA
Trata-se de ação popular proposta ambicionando “anular os arts. 1o, caput e parágrafo único, e 8o, da Portaria no 2.282, de 27 de agosto de 2020.”
Em resumo, o popular alega que o dito ato inova “em, essencialmente, dois pontos: a obrigatoriedade de comunicação à autoridade policial e preservação de evidências (art. 1o, caput e parágrafo único, da Portaria no 2.282/2020) e possibilidade de visualização do feto por meio de ultrassonografia (art. 8o, da mesma Portaria).”
Alega que tal “exacerbação dos limites do ordenamento jurídico pela Portaria no 2.282/2020” se configurou porque a Portaria “poderia ou não regular a temática da forma que fez, e não se a prática do aborto deve ou não ser objeto de descriminalização ou maior flexibilização.”
Relatei.
Resguardado qualquer entendimento pessoal sobre a situação de fundo, a inicial deve ser rejeitada.
Conforme reiterado entendimento jurisprudencial, a ação popular possui três requisitos essenciais: condição de eleitor, ilegalidade e lesividade do ato.
Em relação aos dois últimos requisitos, entende-se que, para o cabimento da ação popular, basta a prova de ilegalidade do ato, não sendo obrigatória a demonstração de efetivo dano ao patrimônio público.
Nesse sentido, confira-se o seguinte julgado do Tribunal Regional Federal da 1ª Região:
AÇÃO POPULAR. REQUISITOS. ILEGALIDADE DO ATO. LESIVIDADE. DISPENSA DE LICITAÇÃO. INSTITUIÇÃO SEM FINS LUCRATIVOS. ART. 24, XIII, DA LEI No 8.666/1993. REQUISITOS COMPROVADOS. APELAÇÃO DESPROVIDA. SENTENÇA MANTIDA.
1. A ação popular é um relevante instrumento disposto ao cidadão para questionar judicialmente atos lesivos ao patrimônio público (material ou moral) ou a outros bens juridicamente relevantes ao interesse público, objetiva a concretização do princípio republicano, que impõe ao administrador público o dever de prestar contas sobre a gestão da coisa pública, e possui previsão constitucional na forma do art. 5o, LXXIII, da Constituição Federal.
2. A ação popular possui, basicamente, três requisitos: condição de eleitor, ilegalidade do ato e lesividade. No tocante aos dois últimos requisitos, consolidou-se o entendimento de que, para o cabimento da ação popular, basta a prova de ilegalidade do ato, não sendo obrigatória a demonstração de efetivo dano econômico patrimônio público. Parte-se do pressuposto de que a ilegalidade do ato, por si só, é capaz de configurar lesão ao patrimônio público, pois a moralidade administrativa (patrimônio moral) igualmente compõe o patrimônio público.
3. Nos termos do art. 24, XIII, da Lei no 8.666/1993, a licitação é dispensável para a “contratação de instituição brasileira incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, ou de instituição dedicada à recuperação social do preso, desde que a contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins lucrativos”.
4. No caso em exame, não ficou comprovado que a instituição contratada deixou de atender aos requisitos acima elencados. Diversamente, o acervo probatório dos autos evidencia que tais requisitos foram integralmente cumpridos. 8. Apelação desprovida. Sentença mantida. (5a Turma, AC 0004275-41.2002.4.01.3400/DF, Rel. Juíza Federal MARIA CECÍLIA DE MARCO ROCHA, DJ 18.12.2015).
Não há, aqui, dano patrimonial prontamente aferível. Mas tampouco há dano entendido de uma maneira mais ampla.
A questão se insere claramente no domínio do Político. Trata-se de política pública que não pode ser arbitrada pelo Judiciário.
Decidir se visualização por ultrassom configura uma barreira psicológica que frustra a obtenção do aborto legal é uma questão que demanda apreciação subjetiva, não configurando questão delegável ao Poder Judiciário. No artigo 8o do referido ato, embora a equipe médica deva informar sobre a possibilidade de visualização por ultrassom, tal procedimento se sujeita à vontade da gestante, pois ele só acontece “caso a gestante deseje.”
Da mesma forma, a visibilidade dada ao crime de estupro, com a preservação de “fragmentos de embrião ou feto com vistas à realização de confrontos genéticos que poderão levar à identificação do respectivo autor do crime, nos termos da Lei Federal no 12.654, de 2012”, pode tanto ser vista como um constrangimento à vítima – que às vezes tem interesse em manter sigilo, interrompendo a gravidez o quanto antes – quanto como um modo de guiar políticas públicas de segurança. Novamente, a questão é política e não jurídica.
Vê-se que o juízo singular não é o foro adeqüado para discutir a opção executiva por tais procedimentos, os quais não impedem o aborto legal, mas somente o cercam de provisões que não são limpidamente ilegais.
Como se sabe, a Lei no 4.717/1965, por força do seu art. 7o, permite a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil de 2015. É caso da rejeição da inicial.
Art. 330. A petição inicial será indeferida quando:
I – for inepta;
II – a parte for manifestamente ilegítima;
III – o autor carecer de interesse processual;
IV – não atendidas as prescrições dos arts. 106 e 321. § 1o Considera-se inepta a petição inicial quando:
I – lhe faltar pedido ou causa de pedir;
II – o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico;
III – da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; IV – contiver pedidos incompatíveis entre si.
Ante o exposto, diante da inépcia da inicial e da ausência de interesse/legitimidade da parte requerente, declaro extinto o processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, I e VI do Código de Processo Civil de 2015.
Custas pelo autor, pelo art. 10 da Lei no 4.717/1965.
Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição, nos termos do art. 19 da Lei no 4.717/1965. Intime-se o Ministério Público Federal.
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
Brasília/DF,
MANOEL PEDRO MARTINS DE CASTRO FILHO
Juiz Federal Substituto da 6a Vara, SJ/DF
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