Vedação de reeleição para presidências do Congresso sem emenda à Constituição
O parágrafo 4o do artigo 57 da Constituição da República tem a seguinte dicção:
“§4o. Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1o de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente” (Redação dada pela Emenda Constitucional no 50, de 2006).
Quando meu saudoso amigo e um dos mais brilhantes constitucionalistas brasileiros, Celso Ribeiro Bastos, pela fantástica clareza do discurso da lei suprema, interpretou-o, visto que a redação atual não oferece distinção da anterior, assim escreveu:
“Outrossim, cuidou o preceito em estudo de estabelecer o período de duração do mandato dos membros que compõem as Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal que será de dois anos. Por outro lado, proíbe a reeleição no período imediatamente posterior para o mesmo cargo (recondução)” (“Comentários à Constituição do Brasil”, volume 4, tomo I, página 274, Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins, Editora Saraiva, 3a Edição atualizada, 2002).
Os grifos no texto de Celso são meus, para este artigo, pois quando, em dez anos, 15 volumes, 12 mil páginas, comentamos a Lei Suprema, tínhamos dividido entre nós a análise dos comandos maiores, o próprio volume 4, tomo I, tendo os artigos 44 a 58 comentados por Celso e os 59 a 69 por mim.
Apesar de Celso ser sempre um hermeneuta que não deixava aspecto algum da lei sem detido exame, em face da cinematográfica luminosidade do §4°, dedicou poucas palavras à sua interpretação. É que dois anos não são quatro, vedação não é permissão, e mesmo cargo não é outro cargo.
Presidi, no mês de outubro, reunião do Conselho Superior de Direito da Fecomércio de São Paulo, com a presença do senador Eduardo Girão, do Ceará, e mais de 30 conselheiros, e, por unanimidade, interpretou aquele colegiado, constituído em grande parte de professores titulares de USP, Mackenzie, Puc-SP e outras escolas de Direito de expressão, que os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado só podem exercer o mandato por dois anos, vedada — o vocábulo é constitucional — sua recondução para o período subsequente.
À evidência, a matéria não é de âmbito regimental de qualquer das Casas Legislativas. É exclusivamente constitucional, de proibição absoluta de recondução para o mesmo cargo de qualquer componente nas mesas legislativas.
Por ser, apesar de meus 85 anos, um incorrigível, embora modesto, professor em contato permanente com ex-alunos ou alunos de outros lentes, nas lives que se multiplicaram neste período pandêmico, a cada um que perguntei se poderia ver no §4o a possibilidade de se ler quatro anos em vez de dois e permissão em vez de vedação no dispositivo, à unanimidade, sem nenhuma interpretação divergente, nenhum deles conseguiu ler o que os jornais apregoam que ocorrerá nas duas casas.
O verdadeiro Direito não pode ser contaminado por interpretações coniventes, convenientes, quando não exclusivamente ideológicas.
Nitidamente, nada impede que os atuais mandatários das duas presidências sejam candidatos à recondução, desde que aprovem antes emenda constitucional, com 60% dos votos em duas votações nas duas casas, autorizando a reeleição.
Como velho mestre universitário há quase 60 anos, espero que tanto o Legislativo quanto o Judiciário respeitem a democrática Constituição da República.
Revista Consultor Jurídico, 3 de dezembro de 2020, 12h35
Fonte: CONJUR
Por Ives Gandra da Silva Martins
Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifeo, Unimeo, do CIEE-SP, das escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), superior de Guerra (ESG) e da magistratura do Tribunal Regional Federal da 1a Região, professor honorário das Universidades Austral (ARG), San Martin de Porres (PER) e Vasili Goldis (ROM), doutor honoris causa das Universidades de Craiova (ROM) e da PUC-PR e RS, e catedrático da Universidade do Minho (POR); presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio (SP); ex-presidente da Academia Paulista de Letras e do Iasp (Instituto dos Advogados de São Paulo).