Magistratura e Imprensa

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A sensibilidade social dos componentes do Poder Judiciário,  aliada à sua reconhecida  habilidade jurídica, demonstra que é possível reconhecer importantes direitos sociais e civis aos trabalhadores que se utilizam dos aplicativos tipo UBER, independentemente da existência de relação de emprego entre eles e as respectivas empresas.

 Tive oportunidade de participar, na semana passada, de um debate sobre a natureza deste tipo de relação.

 O mote do debate foi uma matéria jornalística  publicada no “JOTA”, subscrita por Cássio Casagrande, que é membro do Ministério Público do Trabalho, professor de Direito Constitucional e doutor em Ciência Política.

O articulista faz duras críticas aos juízes que não reconhecem vínculo empregatício em tais casos, afirmando dentre outras coisas que esse tipo de magistrado se considera moderno e liberal mas profere decisões retrógradas.

Estou certo de que juízes não são deuses. Então suas decisões não estão imunes a críticas. Mas imunes também não estão  os mestres e doutores do direito, os cientistas políticos e outros estudiosos, por mais qualificados que sejam. Logo, é lícito concluir que, não sendo de lavra divina, a matéria  contém defeitos.

O primeiro ponto que destaco é a associação dos “liberais” a decisões retrógradas, o que remete ao cacoete marxista de alocar as pessoas em grupos necessariamente opostos e contraditórios,

no caso progressistas (se socializantes) ou conservadores (se liberais sob o ponto de vista da economia).

Custo a crer que todos os juízes que se julgam progressistas ou de alguma forma inclinados ao socialismo estejam convictos de que os motoristas de aplicativos sejam empregados das respectivas empresas, sob a ótica da legislação brasileira. E também não me surpreenderia se juízes que se consideram liberais concluíssem pela existência de vínculo empregatício.

Refoge às considerações do cientista político que juízes possam construir suas conclusões com base em raciocínios jurídicos e não em ideologias. Sua maneira de pensar,  formatada pela sociologia marxista, está alicerçada no dogma de que a Justiça,  como parte do Estado, compõe a superestrutura social. Logo, para ele o direito assim como a cultura, a religião e o estado não servem para outra coisa que não manter o “status quo” e  viabilizar os interesses da classe dominante. Na realidade ele vai imaginar, sempre, que o raciocínio jurídico é resultado de uma determinante, a escolha ideológica do juiz. Impossível considerar, em sua visão, que alguém possa ter o intelecto livre de ideologias que determinem sua visão de mundo e, por consequência as suas escolhas.

Também é passível de crítica o tom ácido da matéria que nitidamente ridiculariza o juiz que decide de forma diversa do que entende o analista.

Parece tentativa de influenciar a jurisprudência mediante constrangimento social.

Aliás é recorrente nos dias em que vivemos, a tática de intimidar a divergência por meio de achincalhamento das suas posições. O debate não está restrito à contraposição de ideias, como seria de se supor em uma dialética saudável. É preciso expor o contrário ao ridículo, segundo uma lógica maniqueísta em que aquele que pensa diversamente do convencionado só pode ser “gente do mal”;  é a adjetivação que resta para os que ousam divergir daquilo que se estabeleceu como “politicamente correto”, campo que tem a pretensão  de reunir com exclusividade as “pessoas do bem”. Ou seja, “quem não pensa como eu penso, ou como nós pensamos, é do mal”.

Esta tática reduziu ao silêncio milhões  de pessoas que por timidez, conivência ou por tantos outros motivos não estão dispostas a se expor aos dissabores das contendas deselegantes e às críticas pouco educadas.

Por décadas este foi um dos motivos da apoliticidade e da postura de neutralidade de grande parte dos brasileiros, comportamento também verificado mundo afora, como atestam os cientistas políticos.

Mas a Magistratura,  ciosa de sua independência,  não há de se curvar a esta espécie de pressão  disfarçada.

Uma coisa é a aceitação de críticas; outra coisa é julgar para agradar, por medo da crítica.

Para não me tornar ainda mais enfadonho, limito-me a estes dois pontos, embora a matéria comportasse comentários que renderiam um livro, dadas as suas qualidades, defeitos e extensão,  explorando argumentos  sociológicos,  jurídicos, econômicos e filosóficos.

A propósito do tema de fundo (a possível existência de vínculo empregatício para UBER), limito-me aqui a registrar, como membro da Magistratura Trabalhista, que entre nós talvez tenha se petrificado uma linha de raciocínio possivelmente  equivocada, de que a única forma de proteger o trabalho  humano de injustiças seja o seu enquadramento na modalidade “contrato de trabalho”.

A propósito, uma amiga cujo nome prefiro omitir, me disse há poucos dias que “às vezes pensamos dentro da caixinha, ainda no formato cartesiano e binário de empregado e empregador, bandido e mocinho, capital e trabalho”.

Parece que nos convencemos, também, de que somos os únicos responsáveis pelo conserto das injustiças, ainda que fazendo uma certa adaptação da legislação,  substituindo o papel do legislador quando omisso ou quando não gostamos de suas escolhas discricionárias. Neste aspecto desprezamos o fato de que a sociedade dispõe de mecanismos políticos e jurídicos para o  engendramento do regramento social que escapam à competência da Magistratura, justamente porque estas regras dependem de escolhas a serem feitas pelo conjunto social, escolhas para as quais os magistrados não foram constituídos pela representação popular.

A reação foi, em uma das frentes, a crescente precarização deste tipo jurídico, o contrato de emprego, precarização empreendida por meio de leis. E em outra frente, a tentativa de esvaziamento da competência da Especializada, sem falar dos que pugnam pela sua extinção.

Não podendo e não devendo viver em uma bolha, isolada do mundo, a Magistratura há de ser generosamente aberta a críticas, quando pertinentes.

Por outro lado os magistrados jamais devem guiar suas decisões pela avidez do aplauso ou pelo receio das críticas.

É possível conciliar sensibilidade social com independência.

“HÁ QUATRO CARACTERÍSTICAS QUE UM JUIZ DEVE POSSUIR:  ESCUTAR COM CORTESIA, RESPONDER SABIAMENTE, PONDERAR COM PRUDÊNCIA  E  DECIDIR IMPARCIALMENTE”  (Sócrates).

Antonio Pimenta, Juiz Trabalhista

Categories: Artigos

admin

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