DIREITO À VIDA DO NASCITURO – PROTEÇÃO DO ESTADO – ATUAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

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O Dr. Danilo de Almeida Martins consulta-nos a respeito do direito à vida do nascituro, bem como sobre a competência da Defensoria Pública da União para resguardá-lo, dispondo nos seguintes termos:

“Cediço é que o Direito fundamental e inalienável à Vida encontra-se reconhecido tanto em nossa Constituição Federal, em seu artigo 5o, caput, quanto em pactos internacionais de Direitos Humanos dos quais o Brasil é signatário.

O Pacto de São José da Costa Rica, Convenção Americana de Direitos Humanos, prevê expressamente que “toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida e que esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”.

Trata-se do Direito Civil mais básico e importante, estando expressamente previsto em Tratado Internacional que, segundo o STF, foi recebido no Brasil (Decreto no 678/92) com status supra-legal.

De outro lado, sabemos que existem construções teóricas que buscam relativizar o conceito de “vida”, tentando condicioná-lo a determinado período de tempo (12 semanas, v. g.) ou a uma alegada falta de personalidade do feto, eis que não seria considerado como “pessoa”. Muito embora entendamos que tais teses são totalmente descabidas e desprovidas do mínimo de lógica, trazemos à baila uma questão que antecede tal “dúvida” de haver ou não direito à Vida: questiona-se o direito à Defesa.

Tal direito encontra-se expressa e claramente previsto no artigo 2o do Código Civil, verbis:

Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

Como se pode notar, o marco é claro. O Direito à Defesa dos interesses do Nascituro é assegurado pelo nosso ordenamento jurídico desde a concepção. Tanto é assim que nosso ordenamento garante aos ainda não nascidos os direitos de receber doação (art. 542 do CC); herança (art. 1798, CC); de ser curatelado (art. 1779 do CC) e até mesmo o direito de a mãe receber indenização por morte do seguro DPVAT pela morte de seu filho ainda no ventre em razão de acidente automobilístico (Resp. no 1.415.727). Se teses contrárias à Vida podem ser inventadas por aqueles que a querem exterminar, deve ser garantido, ao menos, o direito à Defesa daqueles que serão vitimados por tais teorias que, fatalmente (com o perdão do trocadilho), serão colocadas em prática.

Vossa Excelência já se debruçou sobre este tema em algumas situações e, na oportunidade, defendeu a tese de que o Ministério Público deveria criar uma espécie de “curadoria do nascituro”.

Passemos, agora, a refletir sobre esta função ser exercida, também – e mais especificamente – pela Defensoria Pública, órgão a que pertenço.
A Omissão da Defensoria Pública Da União

Como cediço, a Defensoria Pública é o órgão constitucionalmente previsto como essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5o desta Constituição Federal (art. 134, CF/88).

O exercício destas funções e objetivos, no âmbito Federal, está a cargo da Defensoria Pública da União, cujo chefe é o Defensor Público-Geral Federal.

Neste órgão há atuação na defesa de vários grupos sociais vulneráveis, tais como tutela da saúde; questões voltadas à educação; assistência jurídica internacional; aposentadoria, auxílios e benefícios sociais; moradia; assistência jurídica penal nos Tribunais da Justiça Federal; catadores de lixo; comunidades indígenas e tradicionais; vítimas de tráfico de pessoas; trabalhadores resgatados em situação de escravidão; comunidades LGBTI; migrantes; pessoas em situação de rua; mulheres; idosos; pessoas portadoras de deficiência; presos; segurança alimentar e, por fim; questões étnico-raciais. Com efeito, a Jurisprudência já sedimentou o entendimento de que a Defensoria Pública é a guardiã dos Vulneráveis e, por isso, pode intervir nos feitos como “custos vulnerabilis” (Resp 1.712.163), restando consolidado, ainda, que o conceito de necessitado – que atrai a atuação da Defensoria – não se restringe apenas aos hipossuficientes sob o aspecto econômico, mas aos necessitados jurídicos em geral.

Entretanto, os nascituros não são defendidos pela Defensoria Pública da União, muito embora a hipossuficiência deles seja evidenciada por sua particularidade de ser pessoa em desenvolvimento que se encontra impedida de manifestar qualquer expressão de vontade ou de externar qualquer possibilidade de defesa. Este é o grupo vulnerável por excelência.

Internamente, no âmbito administrativo, já se tentou criar um Grupo de Trabalho com esta finalidade3, protocolizado no dia 14 de fevereiro de 2019. Mesmo tendo sido assinado por quase 30 (trinta) Defensores Públicos Federais, outros quase 80 foram contrários à iniciativa, o que fez com que este pedido tenha permanecido – até hoje – sem andamento.

Recentemente, houve a proposição de uma moção de apoio por parte da Exma. Deputada Federal Chris Tonietto e, ainda, houve a expedição, pela mesma Parlamentar, de Indicação dirigida ao DPGF, a qual ainda não foi respondida e que foi objeto de reportagem no Jornal Gazeta do Povo. Obtivemos, ainda, o apoio da ANAJURE – Associação Nacional dos Juristas Evangélicos e estamos aguardando a resposta de nosso pleito de apoio de Dom Levi Bonatto, Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Goiânia, presidente da União dos Juristas Católicos de Goiânia – UNIJUC.

Inobstante estas valorosas manifestações a favor da Vida e de sua Defesa, observa-se que a Defensoria Pública da União persiste na omissão de seu dever constitucional de promover a assistência jurídica e extrajudicial aos Nascituros. Veja-se que a inexistência de um grupo temático para atuar na defesa deste grupo de vulneráveis é apenas um dos indicadores de que a DPU se posicionou contrariamente à Defesa dos Nascituros.

Além de não ter um grupo que atue permanentemente a favor das crianças por nascer, a DPU vem atuando de forma ostensiva por meio de seus grupos temáticos (GT das Mulheres, por exemplo), na busca da liberação do aborto ou da facilitação de sua prática.

Várias foram as reuniões e audiências públicas realizadas na DPU tratando sobre o tema do aborto e assuntos a ele correlatos. Oportuno lembrar que em uma delas, que versava sobre a Recusa Terapêutica (Resolução n. 2.232/2019 – CFM) houve o impedimento de participação do Defensor Público signatário9, que desejava compor a mesa de debates, majoritariamente formada por pessoas contrárias à cultura da Vida.

Tais reuniões não respeitaram o pluralismo político na composição de suas mesas e, por isso, resultaram na expedição de recomendações de forte conteúdo ideológico e unilateral, o que terminou por comprometer a imagem da Instituição como um todo. A exemplo, cita-se a recomendação dirigida ao CFM na audiência acima referida e outra, encaminhada à ANVISA para liberação da venda do misoprostol em farmácias e outros ambientes diversos do hospitalar. Outrossim, perante o STF, em ações de grande relevo sobre o tema, a DPU não se posicionou de forma a tutelar os interesses daqueles que têm seus direitos assegurados desde a concepção (CC, art. 2o).

Não se trata, apenas, de deficiência de defesa, mas sim, de uma total ausência. Como restou devidamente anotado na Indicação da nobre Dep. Chris Tonietto, na ADI 5581, houve pedido de amicus curiae por parte da DPU apenas para a defesa das “mulheres carentes grávidas” e na ADPF 442 também há pedido de amicus curiae a favor do aborto. A única atuação da DPU em favor da vida se dá através da indicação do presente subscritor para a defesa da Associação Guadalupe como amicus curiae na ADPF em comento, mas esta atuação é para representar a Associação e não para expor o posicionamento Institucional, que tem se apresentado claramente como contrário à Vida.

Desse modo, à toda evidência, não vem sendo cumprida a obrigação constitucional da Defensoria Pública em promover o acesso à ordem jurídica e social justa ao grupo dos nascituros. Há uma clara omissão em defendê- los, pois a Administração do órgão optou por defender todos os outros grupos de vulneráveis, menos estes que, como já dito, o são por excelência.

Da Solicitação

Feitas as considerações acima e ciente do respeito e admiração que Vossa Excelência conquistou no meio Jurídico, consciente, ainda, da defesa intransigente da Vida que sempre norteou vosso agir, solicito os préstimos de elaborar um artigo jurídico, um parecer ou qualquer outra manifestação relacionada a esta inaceitável omissão na defesa dos Nascituros, grupo vulnerável por excelência, cuja defesa deveria ser a principal missão da Defensoria Pública. Estamos sofrendo enorme pressão interna no Órgão e um Parecer de um Jurista renomado como Vossa Excelência iria corroborar a legitimidade de nosso intento.

Na Paz de Cristo, desejamos que Vossa Excelência e toda sua família seja bendita em seus misteres.

Danilo de Almeida Martins – DEFENSOR PÚBLICO FEDERAL”


OPINIÃO LEGAL

Iniciamos a análise do tema ressaltando, desde logo, que nos animais, o primeiro instante de vida, na esmagadora maioria de peixes, aves, mamíferos e herbívoros, dá-se no encontro do elemento masculino com o feminino, sendo que, no homem, isso ocorre com a penetração do espermatozoide no óvulo, momento em que se forma o zigoto e em que o mapa genético e todo o comando da nova vida passa a dirigir o organismo materno, que o hospeda. Não é mais o organismo materno que comanda a evolução do óvulo, mas o novo ser que impõe suas regras ao corpo hospedeiro, para se desenvolver até o momento de vir à luz.

Ora, sobre o fato de o zigoto ter, ainda como uma única célula, não duplicada, quadruplicada etc., todas as características que definirão o futuro ser, não há qualquer dúvida na medicina. Todos os pesquisadores de biomedicina demonstram, sem exceção, que a carga genética completa e a confirmação dos 46 cromossomos que determinam a existência de um ser humano já estão plasmados no zigoto.1

Certa vez, o consagrado Professor Jerome Lejeune, que detectou aspectos relevantes da Síndrome de Down, membro da Academia Francesa de Letras, foi entrevistado por televisão inglesa e lhe perguntaram por que fazia oposição ao aborto até os três meses de gestação, adotado na Inglaterra. Sua resposta foi singela:

“Se o nascituro não é um ser humano até os três meses, só pode ser um ser animal. Ora, se para os ingleses a Rainha da Inglaterra foi um animal durante três meses na sua forma embrionária, para, depois, tornar-se um ser humano, isto é um problema dos senhores, não meu, que sempre fui um ser humano, desde a concepção”.

De fato, o zigoto é, desde a primeira célula, um ser humano e não de um ser animal. Se admitíssemos que ainda não fosse um ser humano, apesar de toda a carga genética e seu mapa definitivo de ser humano já estar plasmado no zigoto, teríamos que admitir que todos nós teríamos sido animais nos primeiros instantes de vida e, só depois, nos transformado em seres humanos.

Por esta razão, é que Hipócrates – para evitar homicídios uterinos – colocou, no seu juramento, que o médico não deve provocar o aborto e a sabedoria dos romanos garantiu, em seu Direito, os direitos do nascituro desde a concepção. Ora, de todos os direitos do nascituro, de longe, o mais relevante, o maior de todos eles, é o direito à vida, razão pela qual passamos agora a analisar, juridicamente, a matéria.

DAS PREVISÕES NO ORDENAMENTO JURÍDICO

O artigo 5o, “caput”, da Constituição Federal, declara a inviolabilidade do direito à vida, nos seguintes termos:

Art. 5o Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (…).

O discurso atual é direto e cristalino, ao determinar, repetimos, que a

inviolabilidade é do direito à vida e não apenas o respeito dos direitos

2 concernentes à vida .

Não sem razão, o Brasil é signatário do Pacto de São José da Costa Rica – tratado internacional de direitos fundamentais (art. 4o), que reconhece começar a vida na concepção -, o qual foi incorporado ao direito interno, por interpretação da Suprema Corte, com eficácia de lei ordinária. Dispõe o “caput” do artigo 4o deste Pacto nos seguintes termos:

“Toda a pessoa tem direito a que se respeite sua vida. Este direito estará protegido pela lei e, em geral, a partir do momento da concepção”.

Alguns pretendem ler, na referida disposição e nos vocábulos “em geral”, uma relativização do dispositivo. Tal leitura, sobre ser pobre e literal, não corresponde ao sentido do dispositivo de direito internacional.

Assim é que o referido artigo está dividido em 3 partes, a saber:

1 – toda pessoa humana tem (presente do indicativo) direito a que se respeite a sua vida;

2 – a lei protegerá (futuro) o direito a partir do momento da concepção, podendo fazê-lo de forma expressa (é o mais comum e o geral das vezes), mas, poderá omitir-se a expressa menção;

3 – a vida do ser humano (nascido ou nascituro) não pode ser (presente do indicativo) eliminada arbitrariamente.

Há, pois, dois comandos normativos de caráter essencial; (o respeito ao direito à vida (do nascituro e do nascido) e a vedação a que o ser humano (nascituro ou nascido) seja privado de sua vida arbitrariamente. E há um comando, de natureza formal, de que a lei deverá explicitar o princípio da garantia desde a concepção, que é o que ocorre em geral.

Em nenhum momento, o dispositivo permite a leitura de que a lei poderá retirar o direito à vida após a concepção, pois, de outra forma, o ser humano (nascituro) estaria sendo privado de sua vida arbitrariamente.

Por esta razão, o comando normativo está no tempo presente no que concerne ao respeito ao direito à vida e à vedação a sua retirada arbitrária (seja do nascituro ou do nascido), aconselhando-se, no futuro indicativo, que a lei explicite, em nível de legislação interna, o sentido do pacto de São José, o que de resto já ocorre em geral, com os países signatários.

Um outro esclarecimento se faz necessário. O artigo 4o é dedicado ao respeito ao direito à vida. Não permite dois tipos de homicídios, mesmo que legalizados, ou seja, a pena de morte ao nascituro ou a pena de morte ao nascido.

Quanto ao nascituro, impõe que sua vida seja respeitada desde a concepção. O homicídio uterino não tem exceções, no Pacto de São José, não sendo, portanto, permitido.

No mesmo artigo, o “homicídio legal” do nascido, ou seja, a pena de morte é condenada, mas abre-se exceção para os países que ainda a mantém, sugerindo que a extirpem. Quanto aos países em que não é admitida (ou seja, que nunca a tiveram ou que a tenham revogado), inadmite que venham a introduzi-la.

Assim, as duas penas de morte, ao nascituro e ao nascido, são proibidas pelo Pacto de São José, muito embora, haja um regime sem exceções, para a pena de morte ao nascituro e com exceções para a pena de morte ao nascido.

Isso porque, no Brasil, a pena de morte ao nascituro e ao nascido é proibida, admitindo, como única exceção, a possibilidade de aplicá-la em caso de guerra. É o disposto no artigo 5o, inciso XLVII, letra “a” da Constituição:

“XLVII – não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

Não há, pois, espaço para que se possa autorizar o aborto, que é a pena de morte ao nascituro, em face do que dispõe tanto a Constituição quanto o Pacto de São José da Costa Rica.

No que se refere ao Código Civil brasileiro, a regra não muda, pois tanto o Código de 1916 quanto o atual asseguraram, na esteira do Direito Romano, o mesmo princípio estando, os artigos 4o do antigo Código Civil e 2o do atual, assim redigidos:

“Art. 4o A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro” (grifos nossos)

(…)

Art. 2o A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro” (grifos nossos).

Diante deste dispositivo, não há como considerar plausível uma interpretação no sentido de que todos os direitos do nascituro estariam assegurados, menos o direito à vida.

Nesta esteira, o Professor Eros Grau, ministro aposentado do STF, em parecer fartamente divulgado, declara serem constitucionais os artigos 542, 1609 § único, 1779 § único e 1798 do Código Civil, visto que, sendo o nascituro sujeito de direitos, é alcançado pelo reconhecimento do direito à dignidade da pessoa humana e à inviolabilidade do direito à vida, contemplados na Constituição do Brasil.

De rigor, o eminente jurista reforça a interpretação dos textos superiores (Tratados Internacionais e Constituição Federal), em que embasa suas conclusões sobre o direito infraconstitucional, a saber, dentre outros:

(…) “o artigo 3o da Declaração Universal de Direitos Humanos, da qual o Brasil também é signatário, segundo o qual “todo o ser humano tem direito à vida” ou a convenção sobre os direitos da criança da ONU que afirma que “a criança necessita de proteção e cuidados especiais, inclusive a devida proteção legal, tanto antes quanto após seu nascimento” (grifos nossos);

(…)
o Pacto de São José, cujo artigo 1o estabelece “pessoa é todo o ser humano”, o artigo 3o que “tem o direito de reconhecimento de sua personalidade jurídica” e, como vimos, o artigo 4o que esse direito deve ser protegido pela lei “desde o momento de sua concepção”.

A lei penal (Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940), por sua vez, proibiu o aborto, admitindo sua impunibilidade – não sua legalidade – excepcionalmente em duas hipóteses: no caso do aborto terapêutico, objetivando salvar a vida da mãe, e do aborto sentimental, em virtude de estupro. Estão, pois, os artigos 124 e 128 do Código Penal assim redigidos:

“Art. 124 – Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: (Vide ADPF 546)

Pena – detenção, de um a três anos.

(…)

Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico:

(Vide ADPF 54)

Aborto necessário

I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal”.

Entendemos que a Constituição Federal/88 não admitiu a hipótese do aborto sentimental porque, pela primeira vez, faz menção “à inviolabilidade do direito à vida” e não mais, como nos textos passados, o respeito aos “direitos concernentes à vida”, não admitindo, portanto, exceções. Vale dizer, sendo o Código Penal de 1940, seu art. 128 não foi recepcionado pela ordem constitucional vigente.

Cabe neste ponto, ainda, uma reflexão: nos autos da ADPF 54, o Supremo Tribunal Federal, como se fosse Poder Legislativo, criou uma terceira hipótese de impunidade ao aborto, ou seja, o aborto eugênico, não constante do Código Penal (art. 128), que só cuida do aborto terapêutico ou aborto sentimental (estupro). Eis, pois, a ementa publicada em 2013, de relatoria do Ministro Marco Aurélio:

LAICIDADE. O Brasil é uma república laica, surgindo absolutamente neutro quanto às religiões. Considerações.

FETO ANENCÉFALO – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – MULHER – LIBERDADE SEXUAL E REPRODUTIVA – SAÚDE – DIGNIDADE – AUTODETERMINAÇÃO – DIREITOS FUNDAMENTAIS – CRIME – INEXISTÊNCIA. Mostra-se inconstitucional interpretação de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal.

Assim é que, no caso dos anencéfalos, em que a autorização para a realização do aborto pode ser dada até o último dia da gravidez, estar-se-á perante a seguinte absurda situação: matar a criança no ventre materno, em momento anterior ao parto, é permitido, não sendo tal ato de eliminação da vida considerado crime. Já matar o anencéfalo um minuto depois do nascimento, é proibido e o ato é considerado criminoso.

Ora, se nem nas omissões inconstitucionais do Parlamento pode a Suprema Corte legislar, com muito maior razão, não poderia legislar em hipótese em que o Congresso não legisla porque:

– todas as dezenas de projetos de leis que cuidam do aborto não conseguiram passar pelas Comissões Parlamentares encarregadas, após audiências públicas;

– a grande maioria do povo brasileiro é contrária à legalização do homicídio uterino;

– não pertence à cultura do povo brasileiro provocar a morte de alguém pelo fato de não haver tratamento curativo para uma determinada doença.

Assim, se a Constituição Federal fala em independência e harmonia entre os Poderes da República (artigo 2o), não poderia autorizar a Suprema Corte a revestir-se de funções legislativas para produzir normas — em assunto no qual o Congresso Nacional, apesar dos inúmeros projetos de leis, entende, em respeito à maioria dos eleitores, que não deve produzi-las — autorizando o aborto por anencefalia dos nascituros.

Como se percebe, a questão é exclusivamente jurídica, refletindo, de rigor, a vontade da maioria da população brasileira, que é contrária ao aborto e prestigia a vida do nascituro desde a concepção.

Portanto, não obstante o ativismo judicial, o arsenal de disposições jurídicas internacionais, constitucionais e infraconstitucionais do direito brasileiro coincidem e todos apontam para a impossibilidade da constitucionalização do aborto no País, até porque o artigo 5o “caput” da lei suprema é cláusula imodificável, por força de seu artigo 60, § 4o, inciso IV

DA CURADORIA DO NASCITURO

O aborto é crime contra a vida. Hediondo, pois a mais indefesa das criaturas não tem nenhum defensor. Sua mãe, no mais das vezes, é a algoz, com a decisiva colaboração de médicos, que violam o juramento que fizeram quando se formaram, conhecido como “o juramento de Hipócrates”.

Felizmente, começam haver decisões judiciais que dão esperança. A própria Comissão de Anistia garantiu indenização a pessoa, que era feto no tempo da prisão de sua mãe, e agora, o Senado Federal aprova, na Comissão de Assuntos Econômicos, projeto de lei, outorgando aos pais o direito de deduzirem do imposto de renda despesas do nascituro, desde a concepção, na qualidade de dependente.

O primeiro subscritor já defendeu a tese de que o Ministério Público poderia criar uma “curadoria do nascituro”. Ora, em se tratando de Defensoria Pública, tal possibilidade se torna um imperativo afinal, sendo a vida um direito indisponível e estando na função da defensoria pública a defesa dos direitos individuais dos necessitados, a instituição de uma curadoria, exclusivamente, para a defesa de todos os nascituros que correm riscos, é um dever do Estado.

Afinal, todos nós pagamos tributos para preservar a vida e não para promover a morte. Por esta razão, o Estado deveria ter instituições para resguardar o direito de crianças, nascidas ou não, que são indesejadas pelos genitores.

Neste sentido, destacamos a previsão constitucional:

Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como instrumento do regime fundamentalmente, a orientação promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5o desta Constituição Federal. (Redação dada pela Emenda expressão e democrático, jurídica, a Constitucional no 80, de 2014). (Grifos nossos).

Estamos convencidos de que, dentre as grandes conquistas da civilização moderna, definitivamente, não está a permissão para transformar o ser humano em lixo hospitalar e está nas mãos da defensoria pública evitar que essa lógica de direito natural continue sendo afrontada, ao arrepio do ordenamento jurídico vigente.

É a nossa breve opinião legal, SMJ.

São Paulo, 10 de agosto de 2020.

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS OAB/SP 11.178

ANA REGINA CAMPOS DE SICA OAB/SP 256.812

Categories: Artigos,Notícias

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